O Bembé do Mercado é uma celebração de caráter religioso e cívico realizada na data em que se rememora a assinatura da Abolição da Escravatura no Brasil — o dia 13 de maio — e na qual se imbricam as dimensões religiosas, políticas, culturais e sociais, extremamente importantes para o povo de santo e para os santo-amarenses em geral. Classificado como um “Candomblé de Rua” pela comunidade detentora e por pesquisadores, o Bembé do Mercado é realizado anualmente por um conjunto de terreiros no Largo do Mercado, no município de Santo Amaro/BA, região do Recôncavo Baiano. A festa teria sido iniciada em comemoração ao primeiro ano da Abolição da Escravatura. Ainda que as condições vividas pela população negra recém-liberta fossem marcadas pela exclusão social, econômica, política e cultural, os relatos contam que os pescadores e o povo de santo reuniram-se naquele 13 de maio de 1889, sob a liderança de João de Obá, e celebraram a liberdade, realizando o Candomblé de Rua, o qual durou três dias. No último dia, a celebração culminou com uma entrega de oferenda para a Mãe D'água. O Bembé do Mercado, inicialmente realizado na Ponte do Xaréu e mais tarde no Largo do Mercado, espaços centrais na história da cidade de Santo Amaro, caracteriza-se como uma obrigação religiosa, onde os ancestrais e as divindades africanas e afro-brasileiras orientam, por meio do oráculo, de sonhos e intuições, a organização e a execução dessa celebração, destinada às Divindades das Águas, para agradecer e propiciar o bem-estar da coletividade. A celebração se divide em três momentos cerimoniais: os ritos ligados ao fundamento da festa (as cerimônias para os ancestrais, o Padê de Exu, o Orô de Iemanjá e Oxum); o Xirê do Mercado; e a entrega dos presentes destinados a lemanjá e a Oxum. No Bembé do Mercado, a estrutura musical é composta pelos três tambores sagrados, o gã ou agogô (instrumentos metálicos percussivos) e pelo canto que pode ser executado pelos ogãs alabês (cargo daqueles responsáveis pela execução instrumental dos atabaques), sacerdotes e sacerdotisas de outras casas e cidades convidados pelo coletivo que organiza a festividade, e pelos próprios babalorixás e iyalorixás das casas organizadoras — exigindo que o/a cantor/a tenha profundo conhecimento da estrutura ritual. A celebração inclui não apenas as cerimônias religiosas, envolvendo a participação de outros bens culturais de natureza imaterial — o Maculelê, a Capoeira, o Samba de Roda, a Burrinha, a Puxada de Rede, o Lindro Amor, o Negro Fugido — e momentos políticos, cujos atores pertencem a universos culturais e sociais altamente imbricados com o Candomblé. O território de ocorrência do festejo acolhe o Largo do Mercado Municipal de Santo Amaro (preparado e sacralizado para acolher o Xirê e o presente à lemanjá e Oxum); os terreiros onde ocorrem a produção e sacralização do presente de lemanjá e Oxum; e a praia onde ocorre a entrega do presente, no mar, em agradecimento e em pedido de prosperidade para o povo da cidade. Justamente por esta imbricada relação das dimensões e motivações “espirituais” e “materiais” e por fazer presente, no ambiente cotidiano e da vida cívica, os ritos e o universo sagrado que caracteriza as manifestações do Candomblé, o Bembé do Mercado se singulariza como uma celebração que mobiliza diferentes signos e significados para expressar sentidos de liberdade das comunidades negras do Recôncavo Baiano. Sua estrutura, a riqueza dos seus elementos, a relação com a história da cidade, as relações de sociabilidade e solidariedade entre os atores envolvidos, a constante reanimação do axé, o agradecimento aos Orixás, a relação com diversas outras manifestações culturais afro-brasileiras que contam e representam a história e identidade da comunidade negra no Brasil contribuem para que o Bembé do Mercado seja tido com uma forte referência cultural nacional. Esta descrição corresponde à síntese do conteúdo do processo administrativo nº 01450.004789/2014-46, seus anexos e apensos, no qual se encontra reunido um amplo conhecimento sobre este bem cultural, contido em documentos textuais, bibliográficos e registros audiovisuais. O presente Registro está de acordo com a decisão proferida na 93º Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, realizada no dia 13 de junho de 2019.
